Tragédia anunciada? Jovem morto por leoa tinha histórico de surtos e falta de tratamento

Por trás da imagem de ousadia que circulou nas redes sociais, existe um histórico de vulnerabilidades que marcou a vida do jovem.

A tragédia que ocorreu na manhã do último domingo, 30 de novembro, no Parque Zoobotânico Arruda Câmara, em João Pessoa, reacendeu um debate antigo sobre vulnerabilidade social e ausência de políticas de cuidado para pessoas com transtornos mentais. Gerson de Melo Machado, 19 anos, morreu após entrar no recinto da leoa Leona. O episódio que chocou visitantes e funcionários do zoológico.

Segundo informações das autoridades, Gerson escalou um muro de aproximadamente seis metros que contorna a área dos felinos. Sem ser percebido pelos vigilantes, ele se apoiou em uma árvore dentro do recinto e desceu até o solo. Em poucos segundos, foi atacado pela leoa. A cena aconteceu diante de dezenas de visitantes, separados por um vidro de proteção.

Por trás da imagem de ousadia que circulou nas redes sociais, existe um histórico de vulnerabilidades que marcou a vida do jovem. Ainda na infância, Gerson foi afastado da mãe, diagnosticada com esquizofrenia, condição que também atingia a avó materna. Na adolescência, ele recebeu diagnóstico de deficiência intelectual e esquizofrenia, mas o tratamento adequado nunca se consolidou.

“Ele sonhava em ser domador de leões”

Em reportagem do UOL, a conselheira tutelar Verônica Oliveira, que acompanhava o caso há quase uma década, afirmou que Gerson alimentava um sonho insistente: queria ir para a África para se tornar domador de leões.

“Ele uma vez foi pego já no trem de pouso de um avião que pensava ir para a África. Sorte que as câmeras viram. Ele tinha uma deficiência intelectual visível, mas só conseguiu diagnóstico quando entrou no sistema socioeducativo”, contou a conselheira à coluna.

Para ela, Gerson não tinha noção real do perigo e possivelmente estava em surto no momento da invasão. “Ele precisava de acompanhamento de saúde mental digno, mas não teve. Todo o poder público falhou com ele, com a família”, lamentou.

Histórico de fugas e abandono

O Conselho Tutelar registrou contato com Gerson pela primeira vez quando ele tinha 10 anos. Na época, policiais rodoviários federais o encontraram caminhando sozinho na beira da estrada, após fugir de um abrigo no município de Pedras de Fogo. Esse foi apenas um dos vários episódios que demonstravam sua vulnerabilidade e a ausência de uma rede de proteção efetiva.

Com o passar dos anos, ele alternou períodos em abrigos, na rua e sob acompanhamento parcial de órgãos públicos. A instabilidade, somada à falta de acesso contínuo a tratamento psiquiátrico, marcou sua trajetória até a fase adulta.

Uma morte anunciada?

A sucessão de negligências deixou marcas que, segundo especialistas ouvidos pela imprensa, desenham um retrato grave: o de um jovem que atravessou a infância e adolescência sem a estrutura mínima necessária para lidar com seus transtornos.

A invasão da jaula, vista inicialmente como um ato extremo e inexplicável, passa a ser compreendida, para quem acompanhava sua vida, como o desfecho de uma série de omissões.

A morte de Gerson, além da repercussão nacional, reacende cobranças por parte de profissionais da assistência social e da saúde mental, que pedem protocolos mais eficientes e articulação entre Estados e municípios para evitar que histórias semelhantes terminem da mesma forma.

Texto: Gustavo Mello

Foto: Arquivo Pessoal/Verônica Oliveira

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